Anarquismo e a Academia

Vamos dar uma olhada na academia, principalmente nas Artes, onde o anarquismo poderia ser um tópico em potencial – áreas como Ciência Política, Economia, Historia, Filosofia, Sociologia etc.

É verdade que alguns poucos intelectuais tenham tido carreiras de sucesso enquanto expressavam simpatia pelo anarquismo – na esquerda, temos o exemplo de Noam Chomsky; no lado libertário, Murray Rothbard. Entretanto, a grande maioria dos acadêmicos simplesmente ignoram o anarquismo sempre que ele surge como uma alternativa viável à sociedade baseada na violência atual.

Para entender isso, a primeira coisa que precisamos reconhecer sobre a academia é que, já que ela é altamente subsidiada pelo governo, a demanda vastamente supera a oferta. Em outras palavras, existem muito mais pessoas querendo se tornar acadêmicas do que existem vagas.

Normalmente o que ocorreria nessa situação – se a academia fosse realmente parte do livre mercado – é que os salários e benefícios diminuiriam até que o equilíbrio fosse alcançado.

Atualmente acadêmicos tem direito à vários meses de férias durante o verão, não trabalham sob carga de aulas opressivas, são praticamente impossíveis de se demitir assim que atingem estabilidade no emprego, gastam seus dias lendo, escrevendo e discutindo ideias (o que muito de nós consideraria um hobby), participam de conferências com todas as despesas pagas, possuem um alto grau de respeito da sociedade, recebem licenças sabáticas, uma repleta gama de benefícios, e podem escolher aposentadorias confortáveis ou envolvimento continuado na academia, como preferirem – e frequentemente já começam recebendo salários de 6 dígitos!

Dado o número de benefícios não monetários envolvidos em ser um acadêmico, em um livre mercado os salários cairiam rapidamente, ou os requisitos do emprego aumentariam. Entretanto, como acadêmicos – particularmente nos Estados Unidos – trabalham sob a proteção de um sindicato altamente subsidiado, isso não acontece.

Visto que esse emprego é tão desejado por tanta gente, o que ocorre é um "mercado de vendedores", onde dezenas de candidatos qualificados brigam por uma vaga. Como a Angelina Jolie numa boate, aqueles que têm mais a oferecer podem ser altamente exigentes.

Além disso, como acadêmicos não podem ser demitidos, se um diretor de departamento contrata uma pessoa desagradável, criadora de problemas, ou apenas irritante, ele terá que conviver com essa decisão pelos próximos 30 anos. Se o divórcio fosse proibido, as pessoas seriam muito mais cuidadosas ao escolherem seus parceiros.

Essa é uma simples explicação para a exagerada polidez e cordialidade no mundo acadêmico. Pessoas mal-humoradas, ou que fazem perguntas desconfortáveis, ou que raciocinam baseadas em princípios e por isso evitam debates infindáveis, ou cuja posição põe em discussão o valor e a ética daqueles a sua volta, simplesmente não são contratados.

Em um livre mercado, o pensamento original e desafiador seria de grande interesse para os estudantes, que, sem dúvida, pagariam para serem intelectualmente estimuladas dessa forma. No entanto, visto que a maioria do investimento na academia provém do governo, estudantes não possuem praticamente nenhuma influência na contratação de professores.

Vamos imaginar o progresso de um estudante anarquista em busca de uma pós- graduação.

Nas suas aulas de graduação, ele irá incomodar os professores e irritar seus colegas fazendo perguntas desconfortáveis que eles não conseguem responder. Se ele falar a respeito da violência que está no cerne do investimento público, ele será acusado de tremendo hipócrita – o que posso lhe garantir que será – pois está aceitando dinheiro do governo por meio de uma educação subsidiada.

Suas críticas implícitas aos seus professores – que eles são pagos e garantidos através da violência – irão irritá-los. Embora esse anarquista possa aguentar passar pela graduação, ele terá dificuldades em conseguir cartas de recomendação dos seus professores para entrar em uma pós-graduação. Se o professor falar sobre o anarquismo do aluno em sua carta de recomendação, qualquer um avaliando tal carta ficará espantado do porquê tal recomendação estar sendo feita – fazendo as próximas recomendações deste professor perderem valor.

Se o professor que recomenda um anarquista descobre que suas futuras recomendações serão recebidas com receio, essa notícia irá se espalhar rapidamente, tornando fazer um curso com esse professor, ou receber uma recomendação sua conhecido como receber o beijo da morte para qualquer um quer almeje entrar em uma pós-graduação.

Este professor perceberá que as matrículas em seu curso estão misteriosamente caindo, o que não será de grande ajuda para sua carreira, para dizer o mínimo.

Se o professor não mencionar o anarquismo do candidato à pós-graduação, o seu destino se tornará ainda pior, pois ainda mais tempo será desperdiçado entrevistando um candidato que ninguém realmente quer. Aqueles que recebem tal carta de recomendação irão achar impossível de acreditar que o professor não sabia que o anarquismo do aluno era um fator importante, e assim irão considerar sua recomendação como uma forma bizarra de agressão passiva, e será muito mais provável que vejam suas futuras recomendações negativamente.

Então um acadêmico que escreve uma carta de recomendação de um aluno cujas visões são embaraçosas para os outros estará perdendo valor frente aos seus futuros alunos por nenhum benefício claro. Podemos assumir seguramente que um acadêmico que alcançou o nível de professor universitário -- mesmo antes de uma estabilidade – não é uma pessoa que ignora seus interesses de longo prazo.

Mesmo que o aluno anarquista consiga de alguma forma entrar em um programa de mestrado, os mesmos problemas persistirão, mas dessa vez ainda piores que na graduação. Aqueles que estão em um programa de mestrado – particularmente em Artes – estão lá com o objetivo de assegurar uma vaga na academia. Em outras palavras, não estão lá para perseguir o incansável caminho em busca da verdade, mas para agradar seus professores, fazer o tipo de pesquisa que os trarão reconhecimento, e conseguir o tipo de aprovação dos seus superiores que irá ajudá-los a subir na carreira.

Quando o anarquista começar a falar sobre suas teorias, irá enfrentar hostilidade passiva ou agressiva daqueles à sua volta, que verão ele como um irritante e contraproducente desperdício de tempo. Se suas teorias são ou não verdadeiras não é importante – a verdade é que as suas teorias interferem diretamente com a busca do sucesso acadêmico, o motivo das pessoas estarem na sala de aula em primeiro lugar.

E como o anarquista alega ter o poder de enxergar através do verniz do proclamado auto- interesse para as reais motivações por trás disso – e não vê as motivações básicas daqueles à sua volta na graduação – ele também será visto como obstinadamente cego. "Você deveria acreditar na verdade", ele dirá, sem perceber que esses aspirantes a acadêmicos não estão lá pela busca da verdade, e sim para conseguir um emprego na academia. Em outras palavras, ele está evitando a verdade tanto quanto os outros.

Além disso, por estar continuamente lembrando as pessoas de que a sociedade atual em geral – e a academia em particular – é baseada na violência, o anarquista está ativamente ofendendo e insultando todos à sua volta. Poucas pessoas conseguem absorver a acusação moral desde cegueira até maldade e corrupção e reagir com mente aberta e curiosidade.

Se o anarquista estiver certo, então os professores são corruptos, e os aspirantes à entrar na academia deveriam abandonar suas áreas e ir para o setor privado, ou se tornarem autônomos, ou algo nessa linha. Entretanto, estas pessoas já investiram anos de suas vidas e centenas de milhares de dólares na busca por um emprego na academia. Eles obviamente não querem um emprego no setor privado, já que estão numa pós-graduação em Artes – e se eles realmente abandonarem o mestrado, uma grande parte do valor que acumularam irá desaparecer.

Poderíamos analisar esse processo por muito mais tempo, mas terminaremos com um ponto.

Vamos imaginar que um professor com estabilidade leia este livro e concorde pelo menos com a potencial validade de alguns dos argumentos contidos nele. Ele não precisa se preocupar em ser demitido, porque então não faz estes questionamentos entre seus colegas?

Bem, porque essas visões irão desacreditá-lo entre seus colegas, mostrar o que eles considerariam um "mau julgamento" (e de certa forma eles não estariam errados!) e isso poderia diminuir suas chances de publicar artigos, falar em conferências, atrair estudantes e desfrutar de um ambiente de trabalho alegre com seus pares.

Ele iria então prejudicar sua carreira e seus interesses, sem mudar a mente de ninguém em respeito ao anarquismo – por que alguém iria querer seguir tal caminho?

Quando um ambiente é corrupto, o auto-interesse racional é automaticamente e irremediavelmente corrompido também. Podemos ver isso claramente na política, mas é mais difícil enxergá-lo no mundo da academia.

Antes de iniciar este capítulo, eu disse que apresentaria um interessante paradoxo, que é o nível a que o anarquismo permanece não sendo discutido é exatamente o nível de que o anarquismo indubitavelmente funciona.

O anarquismo é fundamentado no princípio real básico de que a violência não é necessária para organizar a sociedade. Violência na forma de autodefesa é aceitável, claro, mas a iniciação do uso da força não é apenas moralmente mal, mas contraproducente de um ponto de vista pragmático também.

Anarquismo – pelo menos da forma como eu o abordo – não é uma forma de pacifismo rígido que rejeita qualquer resposta coerciva à violência. Minha formulação de sociedade anarquista é uma onde existiriam mecanismos poderosos e perfeitamente capazes de lidar com a criminalidade, na ausência de um grupo criminal centralizado chamado Estado. De fato, uma sociedade anarquista irá sem dúvida lidar com os problemas da criminalidade de uma forma muito mais proativa e benéfica que atualmente, que na realidade provoca muito mais violência do que reduz.

Anarquistas reconhecem o poder dos contratos sociais implícitos e voluntários, e o poder dos incentivos positivos como a de uma carreira de sucesso e os incentivos negativos como a desaprovação social, exclusão econômica e completo ostracismo.

Então de uma forma muito interessante, quanto mais os anarquistas são excluídos da discussão, maior é a crença que os anarquistas podem ter da viabilidade das suas soluções.

No mundo da academia obviamente não existe um comitê central coercivo que irá atacar ou prender qualquer um que trate o anarquismo de uma forma positiva – não existe um "Estado" na universidade, entretanto, as "regras" são universalmente respeitadas e cumpridas, espontaneamente, sem planejamento, sem coordenação – e sem violência!

Esta ironia se torna ainda maior no campo da política, onde os "contratos" implícitos dos acordos dos bastidores políticos são universalmente cumpridos através do processo de seleção positiva em favor da corrupção, onde aqueles que não "retribuem" favores com dinheiro público são automaticamente removidos do sistema.

Logo, tanto a academia quanto o próprio Estado funcionam sob princípios anarquistas, que são a auto-organização espontânea e execução de regras implícitas sem uso da violência.

Uma sociedade verdadeiramente sem Estado, em que tais regras pudessem se tornar explícitas e abertamente contratuais, funcionaria de forma ainda mais eficiente.

Em outras palavras, se o anarquismo fosse abertamente discutido em uma academia financiada pelo governo, seria bem provável que o anarquismo não funcionasse na prática.

Se a corrupção informal da democracia não "funcionasse" tão bem, isso seria um balde de água fria contra a eficácia prática do anarquismo.