A anarquia e a moralidade
Outro paradoxo que a anarquia expõe desconfortavelmente é a contradição entre a coerção e a moralidade.
Nós, geralmente, reconhecemos e aceitamos o princípio de que, se não há escolha, não há moralidade. Se um homem recebe a ordem de cometer um mal enquanto tem uma arma apontada a sua cabeça, nós teríamos dificuldade em caracterizá-lo como mau – em particular comparado ao homem que empunha a arma para a cabeça dele.
Se aceitarmos a visão aristotélica de que o propósito da vida é a felicidade e aceitarmos a visão socrática de que a virtude traz felicidade, então quando negamos escolhas às pessoas, nós negamos a elas a possibilidade de serem virtuosas e, portanto, negamos a elas a felicidade.
Há grande prazer em ajudar os outros – eu diria que, com certeza, é um dos maiores prazeres que existem, a não ser o próprio amor, que o engloba. Ajudar os outros, contudo, é uma questão muito complexa, que requer atenção pessoal detalhada, padrões rigorosos, uma combinação de encorajamento, austeridade, entusiasmo, simpatia e disciplina – isso para falar só de alguns!
Usar a coerção para forçar a caridade é como usar um sequestro para criar amor. Não apenas o uso da coerção através de programas estatais nega a escolha àqueles que desejam ajudar os pobres – e, assim, o prazer da conquista e a motivação da felicidade – mas corrompe e destrói a complexa troca requerida para elevar uma alma humana acima das que a rodeiam e de suas próprias baixas expectativas.
Se acreditarmos que a violência é um meio válido para atingir objetivos morais – de ajudar os pobres, por exemplo – então há duas outras abordagens que seriam muito mais logicamente coerentes que o roubo e a transferência de riqueza advindos da cobrança de impostos.
Se a violência é o único meio válido para criar "igualdade" econômica, então naturalmente faria mais sentido simplesmente permitir àqueles abaixo de certo nível de renda roubar a diferença dos outros. Se entendemos que as agências estatais de programas sociais tiram para si uma grande parte do dinheiro que arrecadam – e elas representam uma gastança de fato selvagem -, então podemos facilmente eliminar esse custo e, com isso, ter um sistema mais racional – através da eliminação dos intermediários e da permissão para os pobres de roubar as classes média e alta.
Se essa solução te aterroriza, isso é importante entender. Se você sente que esta proposta se degeneraria em gangues armadas de pobres saqueando bairros mais ricos, então você está dizendo que, na prática, os pobres são pobres porque carecem de autocontrole e juízo e vão pilhar os outros e minar o sucesso econômico e a segurança geral da sociedade para satisfazer seus apetites imediatos, sem pensar no futuro.
Se isso for verdadeiro – se os pobres são realmente esse bando míope e selvagem -, esta claro que eles não têm juízo e autocontrole para votar em eleições democráticas – que tratam essencialmente da transferência forçada de renda. Se os pobres se importam tão somente com a satisfação imediata de seus apetites, sem se importarem com o longo prazo, então eles não deveriam se envolver de forma alguma com a redistribuição coercitiva de renda na sociedade como um todo.
Ah, mas tirar o direito de voto dos pobres te enche de indignação? Muito bem, então podemos presumir que os pobres sejam racionais, capazes e que estejam dispostos a abrir mão dessas satisfações. Se o homem é sábio o bastante para votar acerca do uso da força, então ele certamente é sábio o bastante para usar essa força ele próprio.
Claro, as barreiras para o uso da força pessoalmente são muito maiores do que para votar pelo uso da força num sistema democrático. Se você tiver que empunhar uma arma e ir coletar sua justa propriedade de pessoas mais ricas, essa é uma "barreira de entrada" bastante alta. Se, por outro lado, você simplesmente tem que dar um risco numa cédula de votação a cada quatro anos e, depois, esperar e assistir a chegada dos seus pagamentos, certamente isso vai estimular a escalada da violência na sociedade muito mais rapidamente.
Mas se você ainda sentir que essa solução seria desastrosa porque os pobres agiriam de forma pouco pensada, então você se depara com uma questão correlata, que é a qualidade da educação que os pobres receberam.