A anarquia e as reformas

Há um grande medo entre as pessoas – ou um grande desejo, para ser mais preciso – em relação ao abandono deste sistema, quando existe uma percepção de que ele pode ser reformado.

A democracia é confusa, diz-se – políticos cedem a interesses escusos, cortejam os eleitores com bens "gratuitos", manipulam a moeda para evitar aumentar os impostos diretamente, criam intermináveis e intratáveis problemas nas áreas social, educacional, carcerária, e assim por diante – mas não vamos acabar com tudo só por algumas coisas ruins! Se você tem boas ideias para melhorar o sistema, você deve se envolver, e não sentar no seu sofá e criticar tudo à vista. Um dos raros privilégios de se viver numa democracia é que qualquer um pode se envolver no processo político, desde se candidatar à mesa diretora da escola local até para ser primeiro ministro ou presidente de todo o país! Campanhas para escrever cartas, ativismo junto ao povo, blogs, associações, clubes – há inúmeras formas de se envolver no processo político.

Dado o grau de possibilidade de resposta disponível ao cidadão médio numa democracia, faz pouco sentido a agitação pela mudança do sistema como um todo. Dado que o sistema é tão flexível e responsivo, é impossível imaginar que ele possa ser substituído por qualquer outro sistema que seja mais flexível – portanto o ideal prático para qualquer um que esteja interessado em mudanças sociais é o de trazer suas ideias ao "mercado" democrático, ver quem está disposto a apoiar essa ideia, e implementar essa visão dentro do sistema – pacífica, política e democraticamente.

Esse é um maravilhoso conto de fadas, que só tem a leve desvantagem de não ter efetivamente nada a ver com a democracia.

Quando nós pensamos num mercado verdadeiramente livre – conhecido também simplesmente como "livre mercado" – nós entendemos que não temos que trabalhar por anos e anos, abrir mão de milhares de horas e dezenas ou centenas de milhares de dólares para satisfazer nossos desejos. Se eu quero comprar comida vegetariana, digamos, eu não tenho que gastar anos fazendo lobby no supermercado local, ou me juntando a algum conselho diretor ineficaz, ou plantando placas no meu jardim, ou escrevendo cartas, ou influenciando a todos no bairro – tudo o que eu tenho que fazer é ir e comprar comida vegetariana, localmente ou pela internet, se eu quiser.

Se eu quero sair com uma mulher em particular, eu não tenho que fazer lobby junto a todos num raio de 10 quadras, conseguir com que eles assinem uma petição, ou façam estimulantes discursos sobre meu valor como namorado, ou dedicar anos de minha vida para conseguir a aprovação coletiva da minha tentativa de chamá-la para um jantar. Tudo o que eu tenho que fazer é me aproximar, pedir para sair com ela e ver se ela diz "sim".

Se eu quero ser um médico, eu não tenho que passar anos fazendo lobby junto a todos os outros médicos no país para conseguir uma aprovação pela maioria para a minha candidatura. Eu também não tenho que seguir esse caminho se quero me locomover, dirigir um carro, comprar um livro, planejar minha aposentadoria, mudar de país, aprender um novo idioma, comprar um computador, escolher ter um filho, entrar em dieta, começar uma rotina de exercícios, ir para a terapia, doar para caridade, e assim por diante.

Portanto, está claro que os indivíduos têm a "permissão" para tomar decisões grandes e decisivas para suas vidas sem consultar a maioria. Parte esmagadora de nossas vidas é explicitamente anti-democrática, já que nós nos reservamos ao direito de tomar nossas próprias decisões – e cometer nossos próprios erros – sem submetê-las ao escrutínio e à autoridade alheia. Por que é que nós temos a "permissão" de escolher com quem se casar, se queremos ter filhos e como educá-los – mas somos violentamente obrigados a não escolher para que escola eles vão? Por que qualquer decisão que leva a uma decisão de como educar uma criança é completamente livre, pessoal e anti-democrática – mas no momento que a criança precisa de uma escola, uma metodologia completamente contrária é forçada sobre a família? Por que é que a anarquia das decisões pessoais – em direta contradição à autoridade coercitiva – é um imperativo moral para todas as decisões que levam à necessidade de uma escola para a criança – mas, então, as escolhas livres e anárquicas se tornam o maior mal imaginável, e a autoridade coercitiva deve ser colocada em seu lugar?

Há um lado particularmente cínico de mim – o que não significa dizer que o cinismo seja necessariamente indevido – que argumentaria que a razão pela qual não há interferência direta na decisão de ter crianças é porque, dessa forma, as pessoas têm mais filhos, o que é necessário para o estado, para que ele seja aceito pelos cidadãos, da mesma maneira que um fazendeiro precisa que suas vacas deem cria. Aqueles que se beneficiam do poder político sempre precisam de novos pagadores de impostos, mas certamente não querem pagadores de impostos independentes, críticos e racionais, uma vez que isso é fundamentalmente oposto à posição de pagador de impostos. Assim, eles não precisam interferir com a decisão de ter filhos, apenas com a educação desses filhos – da mesma maneira que um criador de gansos não vai interferir quando os gansos forem botar ovos, mas certamente vai cortar as asas de quaisquer animais que ele deseje manter e a partir dos quais deseje obter lucro.