Anarquia e Violência
Um dos equívocos verdadeiramente trágicos sobre anarquismo é o grau em que o anarquismo é associado com violência.
Violência, como é normalmente definida, é a iniciação do uso da força. (A palavra “iniciação” é exigida para diferenciar a categoria de autodefesa.)
Já que a palavra “ambivalente” parece ser o tema desse livro, é importante entender que aqueles que advogam ou apoiam a existência de um governo têm uma relação altamente ambivalente com a violência.
Para entender o que eu quero dizer com isso, primeiramente é essencial reconhecer que a tributação – o fundamento de qualquer sistema estatista – cai inteiramente sob a categoria de “a iniciação do uso da força.”
Os governos reivindicam o direito de tributar os cidadãos – que é, quando você olha pra isso empiricamente, um grupo de indivíduos reivindicando o direito moral de iniciar o uso da força contra outros indivíduos.
Agora, você pode acreditar em todas as razões do mundo pra que isso seja justificado, moral, essencial, prático e tudo mais – mas o que tudo isso realmente significa é que você tem uma relação ambivalente com o uso da força. Por um lado, você condena sem dúvidas como vilã a iniciação do uso da força nos casos de ladrões comuns, assalto, assassinato, estupro, e tudo mais.
Na verdade, é a adição de violência que faz atos específicos ruins ao invés de neutros, ou bons. Sexo mais violência igual a estupro. Transferência de propriedade mais violência igual a roubo. Remova violência da transferência de propriedade, e você tem mercado, ou caridade, ou empréstimo, ou herança.
Entretanto, quando se chega ao uso da violência na transferência de propriedade dos “cidadãos” ao “governo”, essas regras morais não são somente neutralizadas, mas revertidas ativamente.
Nós vemos isso como um bem comum resistir a um crime se possível – não uma necessidade absoluta, mas certamente uma ação perdoável se não louvável. Porém, resistir a extração forçada de sua propriedade pelo governo é considerado ignóbil, e errado.
Por favor note que eu estou tentando convencer você da posição anarquista nessa (ou qualquer outra) seção desse livro. Eu considero que é uma tarefa demasiado imensa mudar sua ideia sobre isso em um trabalho tão curto – e, além disso, se você estiver preocupado com contradições lógicas, eu poderia roubar-lhe a emoção e a excitação intelectual de explorar essas ideias por si mesmo.
Então em uma democracia, nós temos uma relação altamente ambivalente com a própria violência. Nós tanto tememos e odiamos a violência quando ela é declarada por cidadãos privados em perseguição a objetivos – geralmente considerados negativos – pessoais. Entretanto, nós louvamos a violência quando ela é declarada por cidadãos públicos em perseguição a um objetivo – geralmente considerado positivo – coletivo.
Por exemplo, se um homem pobre rouba um homem rico sob a mira de um revólver, nós podemos sentir uma certa simpatia pelo desespero do ato, mas nós ainda iremos buscar sanções legais contra o assaltante. Nós reconhecemos que a pobreza relativa não é uma desculpa para o roubo, devido a imoralidade do ato de roubar, e também porque se nós permitirmos os pobres de roubarem os menos pobres, nós sentimos que o colapso social é um resultado inevitável. A ética de trabalho do pobre iria ser diminuída – como seria a dos menos pobres, e a sociedade em geral seria dissolvida em facções em guerra, em detrimento econômico e social de todos.
Porém, quando nós institucionalizamos esse mesmo princípio na forma do estado de bem-estar social, é considerado ser um bem nobre e virtuoso o uso da força para retirar dinheiro dos mais ricos, e dar aos menos ricos.
Novamente, esse livro não é feito pra ser nenhum tipo de argumento robusto contra o estado de bem-estar social – pelo contrário, foi feito para apontar as enormes contradições morais nele – e sua ambivalência fundamental para – o uso da violência para atingir fins preferenciais.