A Anarquia e a “Tragédia dos comuns”

Pergunte a quase todos os economistas profissionais qual é a função do governo, e ele irá geralmente responder que é regular ou resolver a “tragédia dos comuns” e ajustar as “falhas de mercado” ou o fornecimento de bens públicos como estradas e serviços de fornecimento de água que o livre mercado não é capaz de realizar.

Para qualquer um que trabalhe a partir das evidencias histórias e mesmo para aqueles que tem um conhecimento limitado dos primeiros princípios, a resposta é, para ser franco, binariamente infundada.

A “Tragédia dos comuns” é a ideia de que se os fazendeiros compartilharem a mesma terra como pasto para as ovelhas, eles terão um incentivo para utilizar o local excessivamente, o que irá afetar todos em geral. Portanto, o interesse pessoal de cada indivíduo leva a um desgaste coletivo da terra.

Um momento de reflexão nos faz perceber que o governo é a pior solução possível para este problema – se isso é realmente um problema.

A tragédia dos comuns reconhece que aonde houver propriedade coletiva, a exploração individual será um resultado inevitável, já que não há nenhum incentivo para a manutenção da produtividade no longo prazo, do que quer que seja de propriedade coletiva. Um fazendeiro cuida bem dos próprios campos porque ele quer lucrar da utilização destes no futuro. De fato, a propriedade tende a se acumular nas mãos dos indivíduos que podem obter a maior produtividade futura de qualquer ativo, já que eles são capazes de oferecer o melhor preço quando as propriedades vão ser vendidas. Se eu consigo fazer R$10.000 a mais por ano do que você no mesmo terreno, então eu estarei disposto a oferecer mais por ela, e assim, eu acabarei sendo dono do terreno.

Portanto, quando não há interesse na lucratividade futura – como no caso de recursos de propriedade pública – estes recursos tendem a ser, inevitavelmente, pilhados e destruídos.

Esta é a situação na qual pessoas muito inteligentes e educadas – com rostos perfeitamente honestos – dizem que o problema deveria ser resolvido através da criação de um governo.

Porque esta é uma solução bizarra?

Bom, o governo – e particularmente o tesouro público – é o derradeiro bem de propriedade pública. Se bens de propriedade pública são sempre pilhados e explorados, então como a criação do maior e mais violento bem de propriedade pública pode resolver o problema? É como dizer que a exposição ao sol pode ser perigosa para a saúde de uma pessoa, e então a solução para o problema é expor as pessoas ao sol.

O fato de que as pessoas são capazes de repetir estes absurdos com os rostos sério e limpos é uma prova do poder da propaganda e do interesse pessoal.

Da mesma forma, nós ouvimos que os monopólios formados pelo livre-mercado são perigosos e exploradores. Empresas que desejam voluntariamente fazer negócios conosco, e tem de apelar para os nossos interesses pessoais, são considerados graves ameaças para as nossas liberdades pessoais.

E, qual é a solução que é proposta por quase todos para o “problema” das interações econômicas voluntárias?

Já que “monopólios” voluntários e pacíficos são um mal tão terrível, a solução que é sempre proposta é criar um monopólio involuntário, coercitivo e violento, na forma de um governo.

Então, “monopólios” voluntários e pacíficos são um grande mal. Mas o monopólio involuntário e violento do estado é o bem maior!?

Você entende por que eu comecei o livro falando sobre a nossa complicada e ambivalente relação com o voluntarismo, ou anarquia?

É possível ver o mesmo padrão se repetindo na âmbito da educação. Sempre que um anarquista fala sobre uma sociedade sem estado, ele é inevitavelmente informado que em uma sociedade livre, as crianças pobres não serão educadas.

De onde vem esta opinião? Vem de uma dedicação constante ao exercício da razão e a evidência, e a uma fidelidade a fatos bem documentados? Será que estes que tem esta opinião tem evidências sólidas de que, antes da educação pública, os filhos dos mais pobres não eram educados? Eles acreditam genuinamente que os filhos dos pobres estão sendo bem educados agora? Eles realmente acreditam que os anarquistas não se importam com a educação dos pobres? Eles acham que eles são as únicas pessoas que se importam com a educação dos pobres?

Claro que não. Isto é somente uma reação propagandista instintiva, como ouvir, durante a Guerra Fria, um garoto da Guarda Vermelha balbuciando sobre a necessidade dos trabalhadores controlarem os meios de produção. Esta opinião não é baseada em uma evidência, mas em um preconceito.

Se a “tragédia dos comuns” e a predação dos monopólios são ameaças tão terríveis, então certamente institucionalizar estes problemas e cerca-los da violência sem fim da polícia, forças armadas e prisões seria exatamente o oposto da solução racional.

Claro, a tragédia dos comuns é um problema somente porque a terra é de propriedade coletiva; basta move-la para proprietários privados, e está tudo bem. Então, a solução para o problema é claramente mais propriedade privada e não mais propriedade coletiva.

Ah, dizem os estadistas, mas isso é somente uma metáfora: e a pesca nos oceanos, a poluição nos rios, as estradas nas cidades e a defesa do país?

Bem, a resposta simples para isso é – pelo menos da perspectiva anarquista – se as pessoas não são inteligentes e sensatas o bastante para negociar soluções para este problema de uma maneira produtiva e sustentável, então com certeza elas não são inteligentes ou sensatas o bastante para votar em líderes políticos, ou para participar de qualquer governo.

Claro, há uma quantidade interminável de exemplos históricos de estradas e ferrovias privadas, direitos de pesca privados, ostracismo social e econômico como uma punição pelo sobremos ou poluição de recursos compartilhados – a criatividade infinita da nossa espécie certamente não deve deixar de nos surpreender agora!

O estatista olha para um problema e sempre vê uma arma como a única solução – a força do estado, a brutalidade da lei, a violência e a punição. O anarquista – o empresário interminável da organização social – sempre olha para um problema e vê uma oportunidade para resolver o problema de forma pacífica e inovadora, seja pela caridade ou usando o mercado.

O estatista olha para a população e vê uma horda irracional e egoísta que precisa ser tangida eternamente sob a mira de uma arma – e ainda veem os que fazem o governo funcionar como altruístas, benevolentes e santos. Porém, estes mesmo estadistas sempre olham para esta população irracional e perigosa e dizem “Vocês tem de ter o direito de escolher os seus próprios líderes políticos!”

Esta é uma posição realmente insustentável e irracional.

Um anarquista – como qualquer bom cientista ou economista – está mais que feliz de olhar para um problema e dizer “Eu não sei a solução” – e e ficar perfeitamente feliz por não impor a solução através da força.

Darwin olhou para a questão “De onde veio a vida?” e somente veio com a famosa resposta porque ele estava disposto a admitir que ele não sabia – mas que as “respostas” religiosas existentes eram invalidas. Teólogos, por outro lado, dizem ter “a resposta” para a mesma pergunta, afirmando: “Deus fez a vida”, que como mencionado acima, em um exame mais detalhado, sempre se revela ser um sinônimo exato para “Eu não sei”. Dizer, “Deus fez isso”, é dizer que algum ser incognoscível realizou uma ação incompreensível de uma maneira misteriosa para algum fim que nunca será conhecido.

Em outras palavras: “Eu não tenho a menor ideia”.

Da mesma maneira, quando se defrontam com desafios de organização social como a autodefesa coletiva, estradas, poluição e assim por diante, o anarquista fica perfeitamente satisfeito em dizer “Eu não sei como este problema será resolvido”. Como corolário, entretanto, o anarquista também tem a certeza absoluta de que a pseudo- resposta “o governo irá fazer isso” é uma não-resposta total – de fato, ela é uma anti- resposta, uma vez que ela provê a ilusão de uma resposta que de fato não existe. Para um anarquista, dizer que “o governo irá resolver o problema” tem a mesma credibilidade do que dizer para um biólogo – geralmente com condescendência irritante – “Deus criou a vida”. Em ambos os casos, o problema da regressão infinita é cegamente ignorado – se o que existe foi criado por um Deus, o Deus que existe deve ter sido criado por outro Deus e assim por diante. Da mesma maneira, se os seres humanos são, em geral, tão irracionais e egoístas para resolverem os desafios da organização social de uma maneira positiva e produtiva, consequentemente eles são muito irracionais e egoístas para receberem a violência monopolística do pode estatal, ou para votar nos próprios líderes.

Perguntar a um anarquista como cada a função pública concebível que existe atualmente seria recriada em uma sociedade sem estado é uma analogia direta a perguntar a um economista como a economia será a economia daqui a cinquenta anos. O que será inventado? Como os contratos interplanetários serão aplicados? Como, exatamente, o tempo de viagem vai afetar o preço do aluguel dos carro? Qual será a capacidade de processamento dos computadores? O que os sistemas operacionais serão capazes de fazer? E assim por diante.

Este é um tipo de jogo elaborado, projetado para, fundamentalmente, para humilhar qualquer economista que caia nessa. É claro que, uma certa quantidade de especulação é sempre divertido, mas a verdade não é determinada por previsões precisas sobre o longo prazo, que é desconhecido. Perguntar a Albert Einstein em 1910 aonde as bombas atômicas seriam lançadas no futuro não é uma pergunta crível – e o fato dele não saber responder não invalida a teoria da relatividade.

Da mesma forma, nós podemos imaginar que os abolicionistas foram perguntados como a sociedade seria vinte anos depois que os escravos fossem libertados. Quantos teriam um emprego? Qual seria o número médio de filhos em cada família? Quem trabalharia nas plantações?

Apesar dessas perguntas poderem soar como absurdas para muitas pessoas, quando você propõe ainda que a vaga possibilidade de uma sociedade sem governo, você é quase inevitavelmente manobrado para a posição de ter de lutar contra uma hidra de muitas cabeças, com perguntas como: “Como as estradas serão construídas sem o governo?”, “Como os pobres serão educados?”, “Como uma sociedade sem estado irá se defender?”, “Como as pessoas podem lidar com criminosos violentos sem um governo?”

Em 25 anos falando apenas sobre estes assuntos, eu quase nunca – mesmo após responder de maneira plausível as perguntas que surgiam – alguém que se sentasse, suspirasse e dissesse “Caramba, eu acho que isto realmente poderia funcionar!”

Não, inevitavelmente, o que acontece é que as pessoas surgem com alguma situação que eu não sei responder imediatamente, ou de uma maneira que elas fiquem satisfeitas, então elas se sentam e dizem, triunfantes, “Viu? A sociedade não pode funcionar sem o governo!”

O que, na realidade, é muito engraçado sobre esta situação é que ao adotar esta abordagem, as pessoas pensam que elas estão se opondo a ideia de anarquia, quando de fato elas estão apoiando completamente a anarquia.

Um fato simples e básico da vida é que nenhum indivíduo – ou grupo de indivíduo – pode ser sábio ou ter conhecimento o bastante para conduzir a sociedade.

A nossa principal fantasia sobre o “governo” é que em alguma câmara remota e ensolarada, com mesas de mogno envernizadas, vastas cadeiras de couro e homens e mulheres que não dormem, existe um grupo que é tão sábio, tão benevolente, tão onisciente e tão incorruptível que nós deveríamos entregar a eles a educação do nossos filhos, a preservação dos nossos idosos, a salvação dos pobres, a provisão de serviços vitais, a cura dos doentes, a defesa da região e da propriedade, a administração da justiça, a punição dos criminosos e a regulação de cada aspecto de um sistema social e econômico massivo, infinitamente complexo e que está sempre mudando. Estes semideuses vivos tem um conhecimento tão perfeito e uma sabedoria perfeita, que nós deveríamos entregar a eles armas de destruição em massas, um poder infinito de criar impostos, encarcerar e imprimir dinheiro – e teríamos como resultado o bem, a abundância e a honra.

E então, claro, nós dizemos que que uma massas berrante e atrapalhada, que nunca seria capaz de alcançar esta sabedoria e virtude, nem mesmo no sonho mais louco delas, deveriam se juntar e votar para entregar metade da renda, as crianças, os idosos e o próprio futuro na mão destes semideuses.

Claro, nós nunca vemos e conversamos com estas divindades. Quando nós ouvimos os políticos, tudo o que nós ouvimos são sentimentos piedosos, intermináveis evasões, discursos pomposos e todos os tipos de truques emocionais de pais abusivos que vivem de cama.

São estes os semideuses os quais a única missão é cuidar, alimentar e educar as nossas preciosas crianças?

Talvez nós possamos falar para os experts que aconselham os semideuses, o homem atrás do trono, o sombrio mestre das marionetes de sabedoria pura e virtude? Eles são capazes de se apresentar e nos revelar o esplendor dos conhecimento deles? Por que não, estes homens e mulheres também não irão falar conosco, e se eles fizerem, eles se revelarão ser ainda mais decepcionantes do que os mestres políticos, que pelo menos podem fazer uma agitação se algumas frases vazias ressoarem por um salão lotado.

E assim, se quisermos, nós podemos perambular por estes salões de Justiça, Verdade e Virtude para sempre, abrindo portas e fazendo perguntas, sem jamais conhecer este pleno gabinete de super-heróis morais. Nós podemos nos mover em uma decepção cada vez maior através dos escritórios bagunçados destes meros mortais, e reconhecer neles um espelho empoeirado de nós mesmos – em nada melhor do que nós, certamente, e muitas vezes piores do que nós.

A anarquia é a simplesmente reconhecer que nenhum homem, mulher ou grupo poderá ser sábio o bastante para surgir com a melhor maneira possível de conduzir a vida de outras pessoas. Assim como ninguém deveria ser capaz de obrigar você a se casar com quem ele acha melhor para você, ou forçar você a seguir a carreira que ele acha melhor, ninguém deveria ser capaz de compelir a própria preferência para a organização social sobre você.

Então, quando se espera que o anarquista responde todas as possibilidades de como a sociedade seria organizada na ausência de um governo, qualquer falha para responder perfeitamente qualquer uma das perguntas válida completamente a posição do anarquista.

Se nós reconhecemos que nenhum indivíduo tem a capacidade de governar a sociedade(“ditadura”), e se nós reconhecemos que nenhum grupo da elite tem a mesma capacidade(“aristocracia”, nós somos, então, forçados a defender o absurdo moral e prático da “democracia”.