Anarquismo e Realidades Políticas

Junto com os argumentos anarquistas morais contra o uso da força para resolver problemas, vêm muitos argumentos econômicos bem desenvolvidos contra a estabilidade a longo prazo de qualquer sistema político democrático.

Para dar apenas um exemplo, vamos olhar para o problema dos incentivos desiguais. Nos Estados Unidos, milhares de produtores de açúcar recebem subsídios estatais passivos e proteção coercitiva contra concorrentes estrangeiros – benefícios que estão em vigor, para a maior parte, desde fim da guerra de 1812. Embora 1,2 bilhões dólares tenham sido gastos em 2005 subsidiando a produção de açúcar, a maioria do dinheiro vai para umas poucas dezenas de cultivadores.

Estes subsídios ao açúcar custam bilhões de dólares à economia dos Estados Unidos anualmente, enquanto custa a rede principal de produtores de açúcar apenas alguns milhões de dólares por ano. O consumidor médio americano teria de lutar por anos, gastar incontáveis horas e dólares tentando derrubar os subsídios no Congresso – para salvar o quê? Uns poucos dólares per capita por ano? Ninguém em sã consciência o tentaria.

Por outro lado, é claro, estes produtores de açúcar vão gastar todo o tempo e dinheiro necessários para preservar esse fluxo massivo de dinheiro. Não é tão difícil de descobrir quem irá apresentar "incentivos" fortes – para dizer o mínimo – ao Congresso. Não é tão difícil de entender quem vai doar tanto quanto humanamente possível a um político em campanha. É embaraçosamente fácil de descobrir quem vai continuar ligando para o deputado às 2 da manhã ameaçando-o por ousar questionar o valor dos subsídios, e promete dinheiro se este resolver se calar.

Os políticos, assim como muitos de nós, tomam o caminho racional, aquele que oferece menor resistência. Um congressista não receberá nenhum agradecimento eliminando esses subsídios e devolvendo alguns poucos dólares para o bolso do contribuinte médio – tal "benefício" passaria praticamente despercebido. No entanto, os produtores de açúcar elevariam o inferno aos céus, como fariam todos seus empregados, seus apoiadores, os profissionais que empregam, e qualquer outra pessoa que se beneficie da concentração de riqueza ilícita que eles gostam.

Além disso, deveriam ser cortados os subsídios, e o preço de uma barra de chocolate diminuído em um centavo, se o máximo que poderia acontecer é algum outro político impor um imposto de, digamos, um centavo por barra de chocolate – para salvar os dentes das crianças, é claro – o que gera mais dinheiro para ser desviado, anulando qualquer benefício para o consumidor. Será que algum político racional faria uma política que enfurecesse os seus apoiadores, fortalecendo os seus inimigos sem ganhar novos amigos?

É claro que não.

Além disso é fácil de ver que enquanto não existem incentivos para se fazer a coisa certa, existe todo incentivo concebível para se fazer a coisa errada. No caso dos subsídios ao açúcar, o fardo que cabe ao consumidor é de apenas alguns dólares ao ano – multiplique isso, no entanto, milhares e milhares de vezes, para cada grupo de interesses especiais, e nós poderemos ver de que forma o contribuinte irá inevitavelmente padecer não por decapitação, e sim pelas mordidas de milhares de mosquitos, cada um se alimentando de uma gota de seu sangue.

Nenhum governo democrático jamais sobreviveu sem tomar para si o monopólio da moeda. A razão para isto é simples – políticos precisam de votos, mas esta razão é difícil de manter se aqueles aos quais você dá o dinheiro têm de pagar esse dinheiro de volta na forma de impostos mais altos. os contribuintes vão se dar conta desse jogo rapidamente, então os políticos precisam encontrar outras formas de ofuscar e tapear os contribuintes. Déficit financeiro é uma forma – dê dinheiro ao povo no presente e então deixe a conta para as suas crianças pagarem em um ponto indefinido no futuro, quando você não mais estará no poder – perfeito!

Outra ótima forma de se fingir que se está dando dinheiro ao povo é inflacionando a sua moeda através da impressão de mais dinheiro. Desta forma, você pode dar a um homem cem dólares hoje, e apenas reduzir o seu poder de compra do seu dinheiro em 5% no próximo ano através da impressão de mais moeda. Ninguém terá qualquer ideia do que realmente está acontecendo, e, além disso, você sempre terá o meio privado para culpar por "explorar" o consumidor.

Outra solução adotada pelos governos é prometer aos sindicatos do setor público aumentos nos salários, medida cujos efeitos só aparecerão no final do seu mandato como político, deixando a conta para a próxima administração pagar. Além disso, você pode assinar contratos perpétuos dando a eles inúmeros benefícios médicos e previdenciários, a maioria dos quais só mostrará seus efeitos quando os beneficiários estiverem mais velhos, bem depois de você já ter deixado o comando.

Em vez disso, você pode vender títulos públicos a longo prazo que dão a você moeda no presente, ao mesmo tempo em que prende os contribuintes à estes por 10, 20 ou 30 anos, além dos juros acumulados no período.

Uma outra opção é começar a licenciar tudo o que estiver a vista – permissões para construção civil, porte de animais e por aí em diante – recolhendo uma quantia considerável de moeda nessas operações, e deixando que os seus sucessores lidem com a diminuição da arrecadação de impostos decorrente da baixa na atividade econômica no futuro.

Ou você pode comprar os votos dos proprietários de apartamentos com o "controle de alugueis" – deixando para as próximas administrações lidarem com a inevitável escassez de apartamentos disponíveis.

Esta lista de medidas possíveis segue indefinidamente – é uma lista mais velha do que as democracias romana e grega – mas o ponto fundamental é que a democracia é sempre insustentável.

Um fato básico nas economias é o de que as pessoas respondem à incentivos – os incentivos em qualquer sociedade estatista – democrática, fascista, comunista, socialista, você escolhe – são sempre desbalanceadas de forma a tornar o tesouro público uma espécie de frenesi de tubarões loucos por sangue.

Bem, dizem os defensores da democracia, o povo sempre podem escolher votar em outro candidato para consertar o sistema!

Um dos aspectos incríveis de se trabalhar a partir de princípios fundamentais, e tirando nossas evidências do mundo real, é que nós não precisamos mais acreditar em qualquer bobagem sem sentido que ouvimos. Com exceção dos períodos após guerras de tamanho considerável, quando os governos precisam reajustar as bases de arrecadação tributária dizimadas, governos democráticos simplesmente nunca diminuem.

A lógica disto é depressivamente simples, e da mesma forma, depressivamente inevitável.

Uma questão central que qualquer eleitor que reivindica ser informado é: Por que o nome desse homem está na cédula?

A resposta padrão é que ele tem a visão de consertar a vizinhança, a cidade, o país, e então ele dedica sua vida nobremente ao serviço público, e precisa do seu voto para então ele poder consertar os problemas da sociedade. Ele é um idealista pragmático que sabe que concessões devem ser feitas, mas que continua podendo trazer melhoramentos à sua vida.

Claro, tudo isso não faz nenhum sentido, o que fica muito claro pelo fato de em uma democracia as coisas sempre ficam piores, e não melhores. Os padrões de vida decrescem, as dívidas nacionais explodem, dívidas familiares crescem, taxas de pobreza aumentam, assim como o número de prisões – e ainda assim, eleição após eleição, a ovelha corre às urnas e febrilmente rabisca as suas esperanças em uma cédula e a deposita dentro da urna, certo de que desta vez o jogo vai virar! (Aos que lerem isto no futuro, estamos em meio a "Obama-mania".)

A pergunta permanece – por que este homem está na cédula eleitoral?

Todos nós sabemos que é necessário muito dinheiro e influência para concorrer a qualquer tipo de posto político. A pergunta central é, então: por que as pessoas doam dinheiro a candidatos?

Não falo falo de uma campanha presidencial nacional, onde obviamente as pessoas doam muito dinheiro aos candidatos na esperança de estarem dando a eles um poder para atingir uma espécie de metas em comum, e por aí vai.

Não, eu quis dizer: de onde vêm o dinheiro para o início da campanha?

Por que iria a indústria farmacêutica, a aeroespacial, companhias de energia, manufaturas, fazendeiros, sindicatos do setor público e outros doam dinheiro e suporte a um candidato?

Claramente estes grupos não estão distribuindo dinheiro puramente por idealismo político, uma vez que estão no negócio para fazer dinheiro, pelo menos para os seus membros. Portanto eles devem doar dinheiro a candidatos em potencial em troca de favores políticos logo adiante – tratamento especial, cortes de impostos, restrições tarifárias nos competidores, contratos com o governo etc.

Em outras palavras, qualquer candidato em que você escolha votar já foi comprado e pago por outros.

Isso soa como uma assertiva estranha e cínica? Talvez – mas é muito fácil descobrir se um candidato já foi comprado ou pago.

Os candidatos sempre irão falar em tons agitados sobre "sacrifício" e tudo mais, mas você certamente já percebeu que nenhum candidato jamais fala especificamente sobre os gastos que irá cortar. Você nunca o ouve dizer que irá balancear o orçamento cortando os gastos em X, Y e Z. Todo o resto ou é redigido em termos abstratos, ou é dirigido a grupos específicos. (Neste momento, o fetiche atual – nos círculos de esquerda – é fingir que 47 milhões de americanos podem ter acesso a saúde "gratuitamente" se o governo diminuir os cortes nos impostos arrecadados de uns poucos bilionários).

Em outras palavras, se você não vê a cabeça de mais ninguém sendo decepada, é porque é a sua que está na guilhotina.

É claro que se o governo realmente quisesse ajudar a economia às custas de algumas pessoas muito ricas, isto simplesmente anularia a dívida nacional – com efeito, declarar falência, e começar tudo de novo.

Por que o governo não faz isso? Porque nunca toca nesse assunto? Temos visto controle nos preços de mercadorias e serviços durante as últimas gerações – por que não simplesmente colocar uma moratória sobre o pagamento de juros sobre a dívida nacional, pelo menos por enquanto?

Bem, a resposta simples é que o governo simplesmente não pode sobreviver sem uma infusão constante de empréstimos, em grande parte de investidores estrangeiros.

Isto é uma pista para você para o quão importante o seu voto realmente é, e como os seus líderes estão preocupados com os seus problemas particulares e pessoais – em relação a, digamos, os interesses dos emprestadores estrangeiros.

Ah, você pode argumentar, mas por que uma companhia farmacêutica, digamos, daria dinheiro a um candidato em potencial, uma vez que nenhum acordo pode ser redigido, e que um candidato em potencial poderia muito bem pegar o dinheiro, e então simplesmente não atender às demandas da empresa farmacêutica quando ele ou ela entrar no poder?

Bem, esta é uma possibilidade distinta, claro, mas tem uma solução simples.

Quando um candidato tem interesse em um posto razoavelmente alto, ele vai em vários lugares pedindo por dinheiro.

Quando você pede para alguém alguns milhares de dólares, naturalmente, a primeira pergunta dele será: "O que você me fará em troca?"

No início de qualquer competição eleitoral, existem vários candidatos. Qualquer um que queira doar dinheiro a um candidato na esperança de receber favores políticos depois apenas doará o dinheiro se acreditar que o candidato irá cumprir com o combinado – o "contrato antissocial", se você preferir.

Na política, assim como nos negócios, credibilidade é eficiência. Aqueles que construíram reputação de manter as promessas acabam fechando negócios em um simples aperto de mãos, o que mantém os seus custos consideravelmente baixos. Nenhum entrante nesse ambiente terá a credibilidade ou histórico para ser capaz de atingir essa eficiência invejável, e então terá de construí-las durante o curso de muitos anos.

Apesar de sabermos com certeza que quando uma companhia dá dinheiro a um candidato político, na expectativa de um retorno em favores no futuro, tal candidato político já detém um excelente histórico. Este tipo de informação será passado adiante em outras comunidades – "Fulano é um homem de palavra" – assim como a reputação de um traficante e a qualidade do seu produto são repassadas adiante em outras comunidades.

Mesmo sabendo que qualquer candidato que receba financiamento significativo de grupos de interesses especiais é um homem que já provou consistentemente possuir "integridade em sua corruptibilidade" no passado – já se ele não tem histórico algum, ou mesmo um histórico inconsistente, ninguém dará a ele dinheiro para começar a campanha.

(Apenas como uma nota lateral, este é um exemplo muito interessante de como o anarquismo irá funcionar – nós não precisamos do Estado para reforçar os contratos, já que o próprio Estado funciona através de contratos implícitos que não podem ser amparados pela lei.

Em outras palavras, toda vez que você ver um nome na cédula, pode ter certeza de que aquele nome representa um homem que já foi comprado e pago durante vários anos, e que aqueles que pagaram por ele não têm, digamos, os seus melhores interesses em mente.

Mas podemos ir um passo além.

Como todo dinheiro que se move entorno do sistema político deve vir de algum lugar – os milhões de dólares que são dados aos fazendeiros de açúcar como subsídio vem dos contribuintes, por exemplo – podemos ter certeza de que todos os interesses especiais desses grupos são ganhos às suas custas. Companhias farmacêuticas querem uma extensão nas suas patentes para poderem cobrar mais de você. Companhias siderúrgicas nacionais querem aumentar as barreiras contra metal importado para poderem cobrar mais de você. Se um sindicato do governo quer benefícios adicionais, você pagará por isso. Se a polícia quer expandir a guerra às drogas, isto irá lhe custar segurança e dinheiro.

Qualquer um tentando se beneficiar do governo tem uma mão se aproximando do seu bolso.

Assim, é perfeitamente justo e razoável lembrar você de que qualquer nome que você veja na cédula representa o oposto dos seus interesses particulares e pessoais, já que foram comprados por pessoas que querem lhe roubar às cegas.

Outro aspecto desse "democracídio" é a inevitável e constante escalada nos gastos públicos necessária para se manter o poder político.

Tomemos o exemplo de um prefeito concorrendo ao segundo mandato. Quando ele estava competindo pelo primeiro mandato, os trabalhadores do saneamento básico doaram 20 mil dólares para a sua campanha, e em troca lhes foi garantido um aumento de 10%. Agora que ele está concorrendo ao segundo mandato, e não pode dar um aumento de 10%, eles não tem mais motivo para doar à sua cama manha. Sendo assim, ou ele terá de oferecer outro benefício à esses trabalhadores, ou terá de criar outro benefício para um grupo diferente para assegurar as suas doações. É por isso que candidatos políticos sempre anunciam novos gastos quando chegam ao poder – gastos estes tendo em vista cumprir as promessas feitas aos grupos de interesse que financiaram a campanha. Um novo estádio, um novo centro de convenções, uma ponte nova, novos programas de artes, programas habitacionais, duplicação de rodovias e por aí vai – tudo isto inevitavelmente e permanentemente aumenta os gastos governamentais, e são requerimentos para se concorrer a um cargo político.

Agora, os anteriormente citados trabalhadores do saneamento básico irão é claro preferir um aumento de 10% permanente do que uma soma única em dinheiro. Sendo assim eles sempre tentarão negociar um contrato permanente do que continuar a mercê da vontade e caprichos dos seus políticos.

Ao passo que esse processo continua, a proporção de gastos não-discricionários em qualquer orçamento político só faz crescer. Esta é outra razão pela qual novos gastos devem sempre ser criados com vistas a assegurar as doações. O dinheiro não pode ser alocado de uma área para outra livremente, porque já foi permanentemente comprometido a um grupo em particular em troca de uma contribuição isolada no passado.

Se o prefeito que concorre ao seu segundo mandato tenta dar para trás no aumento de 10% nos salários, com vistas a salvar dinheiro para então oferecer a outrem em troca de contribuições políticas, estaria cometendo suicídio político. Estaria quebrando um contrato assinado livremente, e provocando uma greve muito mau cheirosa – mas para os seus interesses particulares, os efeitos seriam bem piores.

Lembre-se, as pessoas irão doar dinheiro para campanhas políticas baseadas em contratos implícitos de recompensas futuras vindas do tesouro público. Se um candidato tenta voltar atrás e não cumprir o combinado, não só incorrerá em ira dos grupos de interesses, como também será conhecido como um homem que quebra seus "contratos" implícitos e não amparados pela lei. Como o candidato não pode mais ser confiado, as suas doações para campanha diminuirão quase que imediatamente, e a sua carreira política pode ter chegado a um fim.

Claro, ex-políticos são valorizados como lobistas também, mas se um prefeito perde a confiança de um doador, também não poderá ser confiado como tal, o que impactará em sua carreira pós-política de forma significativa.

Finalmente, qualquer candidato político que canalizou dinheiro público para doadores em sua campanha enfrenta o problema da chantagem. Se tenta despistar qualquer um de seus grandes doadores do passado, misteriosos vazamentos da campanha começarão a chegar até a imprensa, falando sobre os frágeis acordos firmados nos bastidores que o puseram no poder – encerrando assim também a sua carreira política. Todos os outros candidatos irão piedosamente ridicularizar a sua corrupção cínica, ao mesmo tempo em que fazem os seus próprios acordos de bastidores.

(É muito instrutivo notar que dois retardadores fictícios do processo eleitoral – o "The West Wing" e o "The Wire" – repetidamente retratam o candidato implorando por dinheiro, mas nunca antes mostrou porque recebia isso os motivos dos seus doadores. A razão pela qual isso é simples: eles querem retratar um político idealista, e então não podem revelar as razão pelas quais o povo lhe está doando dinheiro. Se a história fictícia era para seguir as inevitáveis "leis" da democracia, essa história seria interrompida abruptamente, ou o personagem central seria revelado muito menos simpático. O candidato pediria por dinheiro, e, em seguida, o doador potencial indicaria a favor que quer em troca. Em seguida, o candidato pode tanto recusar, terminando assim a sua campanha por falta de fundos – ou ele concordaria, assim acabando com qualquer simpatia que possamos ter por ele. Esta verdade básica – como tantas outros em uma sociedade estatista – não pode ser discutido, mesmo em um programa como "The Wire", que não tem problemas em revelar a corrupção em qualquer outro lugar. Um policial pode ser mostrado quebrando os dedos de uma criança, mas a verdadeira natureza do processo político deve ser sempre escondida ...)

Assim, podemos ver que – pelo menos ao nível da economia – a democracia é uma espécie de suicídio em câmera lenta, onde lhe é dito que é a maior virtude cívica é aprovar os que querem lhe roubar.

Eu não quero que este livro se torne uma crítica à democracia – mas sim, como eu disse antes, meu objetivo é simplesmente ajudá-lo a entender a miríade de contradições envolvendo qualquer defesa lógica ou moral de uma sociedade estatal.

Se você não sabe que a sociedade está doente, nunca vai estar interessado em uma cura.